domingo, dezembro 07, 2008

LAGRIMAS OCULTAS


Se me ponho a cismar em outras eras

Em que ri e cantei, em que era querida,

Parece-me que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida…


E a minha triste boca dolorida,

Que dantes tinha o rir das primaveras,

Esbate as linhas graves e severas

E cai num abandono de esquecida!


E fico, pensativa, olhando o vago…

Tomo a brandura plácida dum lago

O meu rosto de monja de marfim…


E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim!

A MINHA DOR



A minha Dor é um convento ideal

Cheio de claustros, sombras, arcarias,

Aonde a pedra em convulsões sombrias

Tem linhas dum requinte escultural.


Os sinos têm dobres de agonias

Ao gemer, comovidos, o seu mal…

E todos têm sons de funeral

Ao bater horas, no correr dos dias…


A minha Dor é um convento.

Há líriosDum roxo macerado de martírios,

Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,

Noites e dias rezo e grito e choro,

E ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…


Florbela Espanca - O Livro das Mágoas